Que o número de ciclistas aumenta de forma visível em Lisboa, isso não há grandes dúvidas. E que aumenta de forma mais considerável do que em concelhos limítrofes, também me parece óbvio.
A cidade de Lisboa, a mesma onde a bicicleta era "impossível" transformou-se afinal numa cidade onde é hoje impossível sim não se ver diariamente ciclistas que usam a bicicleta para o trabalho.
No meu "facebook" e não só discuto abertamernte estas questões com muita gente.
Da minha parte considero que se trata de um conjunto variado de razões, mas que o papel que o Município teve com a introdução de uma rede de ciclovias de quase 50km, a construção de 5 pontes ciclopedonais para ultrapassar obstáculos físicos penalizantes, a colocação de dezenas de pontos de estacionamento de bicicletas e com acções diversas de promoção e sensibilização tem uma importância decisiva para que as pessoas saiam para a rua todos os dias.
Numa cidade altamente motorizada, onde a redução de tráfego e de espaço automóvel que se tem conseguido em vários locais (Baixa, Avenida da Liberdade, Marquês de Pombal, Avenida Duque d´Ávila, etc), numa atitude sem precedentes na Cidade, em caso algum retira o carácter altamente motorizado que está instalado há décadas, é óbvio que a criação de percursos cicláveis teve e continua a ter um papel fundamental.
Fico portanto preocupado com comentários de pessoas com responsabilidade no acompanhamento destas matérias expressem a convicção de que terá sido apenas a crise e o papel das ONGs ligadas à bicicleta a conseguir estes resultados, ignorando por completo tudo o resto.
Preocupado porque denota uma enorme dificuldade em aceitar que não há importação de receitas fixas para atingir uma cidade ciclável.
Preocupado porque outras cidades em situações semelhantes, como Sevilha, estão hoje cotados internacionalmente pelos seus excelentes resultados, após actuações em boa parte semelhantes.
Preocupado porque esta análise denota que não se compara sequer o que se passa, por exemplo na Duque d´Ávila com as Avenidas que lhe estão adjacentes em matéria de fluxo ciclável, o que considero grave pois demonstra uma rigidez na apreciação da realidade que em nada abona a favor de soluções de consenso nestas matérias.
Por fim, o seguinte: entre a teoria e a concretização há uma estratégia, um caminho a percorrer e em boa parte as estratégias assumem um carácter de tomadas de decisão política. E esse caminho que está a ser percorrido deve ser ajustado passo a passo, com todos os envolvidos.
Não me parece que o balanço do que tem sido feito em matéria de bicicletas seja negativo, antes pelo contrário, mas se o trabalho do Município é visto simplificada e rigidamente desta forma por alguns actores relevantes do chamado "movimento ciclista", teremos um trabalho bem mais complexo pela frente do que eu alguma vez pensei, pelo menos no que a este aspecto de avaliação e diagnóstico diz respeito.
Isto porque o trabalho do Município não é satisfazer nenhum "lobby" ciclista em particular, mas sim a população em geral (em geral avessa à ideia da bicicleta de uso quotidiano), cativando-a independentemente da sua classe etária, classe social ou actuais hábitos, de que a bicicleta é um meio de transporte válido e útil para elas e para uma melhor cidade, sozinha ou em articulação com o transporte público.