quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Ambientalismo e as Anti-Touradas

Não resisto a divulgar um excerto de um debate que está a decorrer na "mailing list" da "Âmbio", entre uma defensora dos direitos dos animais e um ambientalista (Henrique Pereira dos Santos - HPS). A linguagem de HPS é directa e no limite do aceitável, mas como se trata da blogosfera, é no limite mas considero que "está dentro".
 
O que acho mais relevante, e daí a minha eleição, é o facto de na "Ambio" haver com frequência inúmeros activistas contra as touradas. HPS já tinha ameaçado rebater esta argumentação e aproveitou muito bem um deslize de intolerância, infelizmente típico já percebi, por parte desta activista.
 
A posição de HPS quanto às touradas é absolutamente correcta, do meu ponto de vista. As touradas geram o touro de lide, o touro de lide permite a existência de um fantástico ecossistema, riquissimo do ponto de vista da biodiversidade, como se sabe.
 
Diria mais: As touradas, sendo até discutível do ponto de vista cultural (não vou perder tempo com isso, não as frequento sequer), são isso mesmo, uma manifestação cultural. Em Espanha, a Praça de touros era frequentemente um espaço onde o animal era morto para ser comido em inúmeros estabelecimentos em redor da mesma. Não havia frigoríficos, era assim que se comia carne fresca, no local, na hora, sem transporte, em comunidade.
O afastamento de uma sociedade cada vez mais "urbana" da realidade natural é que permite olhar para a tourada de forma incrédula, como se olha para um campo de girassois maduros dizendo que estão..."secos e murchos". Os "urbanos", tantas vezes desfazados dos ciclos naturais, gostam da Natureza domesticada, dos relvados "verdinhos" todo o ano, da natureza sim mas "fofinhosa e felpuda", se possivel sem bicharada.
 
Quanto aos animais, preocupa-me muítíssimo aviários e suiniculturas sobrelotadas, cheias de antibióticos, onde os animais nascem, crecem e morrem sem vêr a luz do dia, prontos a serem abatidos directamente para o nosso prato, em qualquer "shopping" aqui ao pé.
 
Preocupam-me as fábricas de salsichas, as febras de porco a 1,50EUR/Kg que se com grande probabilidade descarregaram os seus "milagres" ribeira abaixo para manter o preço baixo.
 
Preocupa-me muito os circos com animais e os Jardins Zoológicos em que, ao invés de mostrarem filmes de leões a correr na selva em tempo real num plasma, optam por capturá-los e colocá-los atrás das grades, infelizes e imóveis, para os "urbanos" verem, como no tempo do Julio Verne.
 
Parabéns ao Henrique Pereira dos Santos pela sua capacidade e fontalidade nesta questão.
 
 
 
"(...)
 
"Para além disso, diz-me também que as touradas são boas para o touro"

 

HPS: Cristina, não torça os argumentos dos outros. Os touros existem enquanto produto do homem e a razão pela qual o homem os produz é usá-los em touradas. Em consequência, não havendo touradas provavelmente não haverá touros. É isso um drama? Não, é uma perda de diversidade biológica que por si só não é dramática. Tem vantagens ambientais (não é para os touros, é para os outros) acabar com os touros? Não, tem prejuízos porque diminui a sustentabilidade económica de um sistema de elevada biodiversidade. É isso inaceitável? Não, se as pessoas assim quiserem pois que seja, mas não vale a pena argumentar com questões ambientais porque as questões ambientais vão no sentido de favorecer as touradas e não no sentido de as desaconselhar. Mas como as questões ambientais não são tudo na vida, pode optar-se por acabar com as touradas por outras razões, igualmente legítimas. O que é ilegítimo é querer convencer as pessoas com argumentos falsos, como sejam os de que é por razões ambientais que se é contra as touradas.

 

"e os caçadores os melhores amigos do ambiente, os quais devemos acarinhar para nunca desistirem dessa nobre actividade."

 

HPS: Tem a certeza que me viu dizer isso? Onde?

 

"Eu devia ter desconfiado quando entrei num blog supostamente de cariz ambiental para comentar um artigo que ataca os defensores do direito à vida, chamando-lhes "gente perigosa", animalistas, fanáticos, dogmáticos, extremistas, fundamentalistas."

 

HPS: Por estranho que possa parecer à sua cabecinha cheia de certezas, no blog escrevem pessoas que têm visões totalmente opostas sobre esse assunto. Portanto critique o Gonçalo, que é quem assina o post, pelas suas posições, mas não vale a pena generalizar para o blog porque o Blog não tem posição definida nem agenda própria: tem pessoas que escrevem sobre ambiente e áreas conexas, com perspectivas muitas vezes divergentes. No blog existem opiniões assinadas, não existem argumentários de suporte a agendas.

 

"E nem sequer foi por alguém ter dito que um verdadeiro ambientalista não pode comer carne se quiser ser coerente (os dados sobre o impacto ambiental da indústria da carne que é, de longe a maior responsável pelas emissões de carbono e consumidora de recursos naturais são da ONU, não fui eu que inventei);"

 

HPS: O impacto ambiental do consumo de carne depende da forma como é produzida. A criação extensiva e a caça são das menos impactantes formas de obtenção de carne. Em qualquer caso verá  em vários posts sobre isso uma notável unanimidade de opiniões sobre a necessidade de reduzir o consumo de carne (e peixe, já agora).

 

"o que até seria compreensível para ambientalistas de mesa de café, que se auto-congratulam por terem substituído as lâmpadas incandescentes em casa e vão ao fim de semana para o campo lambuzarem-se com sanduíches de courato."

 

HPS: Se for de porcos de montanhiera criados em liberdade (relativa, naturalmente) ou de javali criados em liberdade (efectiva) qual é a questão ambiental que lhe levantam as sanduíches de courato? É claro, nisso penso que estamos de acordo, se o courato for usado numa feijoada, numa favada ou num rancho é preferível porque é muito menor o consumo de carne.

 

"Não, foi por causa das touradas."

 

HPS: Esta enganada. Foi porque a Manuela Soares defendeu que não há nada a discutir sobre touradas porque os direitos não se discutem e o que era pouco sensato perguntar às pessoas o que acham proque são umas ignorantes. Esta é a questão central, não as touradas.

 

"É que alguns ambientalistas sentem-se muito à frente por o ambiente estar na moda, mas de facto o seu meio é o das touradas, da caça, da pesca, enfim, do desrespeito absoluto por outras formas de vida."

 

HPS: Não vou a touradas, não caço, não pesco. E daí?

 

"Acho bem que continuem fechados num blog a afagarem os egos uns dos outros e a sentirem-se superiores, só porque sim."

 

HPS: Se há alguém que abusa do discurso da superioridade moral são os activistas dos direitos dos animais, como é bem visível neste seu último mail, e mais ainda no mail da Manuela Soares que deu origem a esta discussão (que era sobre a legitimidade de minorias imporem os seus pontos de vista com base na sua suposta superioridade moral, não era sobr touradas).

 

"Ah, é verdade, e a serem muuuuito tolerantes. Mas só para alguns, claro, que a tolerância é um bem precisoso que não se pode desperdiçar com quem não o aprecia. Tolerantes para aqueles que não os confrontam com as suas incongruências nem os tiram da sua zona de conforto e os fazem pensar."

 

HPS: Está a ver como eu sou tolerante. Nem vou explicar-lhe como esta sua frase final é de uma arrogância que só tem explicação na sua convicção profunda da superioridade moral dos seus valores. Os mesmos que levam Peter Singer a defender a eutanásia (embora se tenha refugiado na tutela partilhada com a irmã para não ter posição definitiva em relação à mãe com Alzheimer) ou a morte das crianças nascidas com o que ele considera pouca capacidade para ter uma vida com qualidade, substituindo-as os pais por outras mais saudáveis. E apesar de ser este o seu sistema de valores eu abstenho-me de o qualificar moralmente. Porque acho que tem o direito de ter esse sistema de valores desde que não mo queira impôr a mim."



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Duarte d´Araújo Mata

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